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    A guerra comercial mostra sua cara

    Situação prevista

    A coluna Agronegócios do Jornal do Sertão de 06 de março de 2025 tratou dos possíveis impactos da onda tarifária que os Estados Unidos impunham ao mundo e de como este movimento afetaria o comércio internacional de commodities agrícolas e o agronegócio brasileiro. A situação foi se tornando mais complexa e os reflexos na economia americana estão dando prova de que as medidas adotadas pelo governo Trump não chegariam a lugar algum. De uma hora para outra, o país que se postava como o defensor universal dos direitos do livre comércio se tornou seu mais exacerbado algoz. Alegando que todos estavam contra si, imaginou que ao aumentar as tarifas das mercadorias e bens importados alçaria a indústria local a um patamar de produtividade de destaque, uma premissa sabidamente falsa.

    O plano fantasioso esqueceu do agronegócio, um outro segmento que, apesar de representar menos de dez por cento do produto interno bruto americano, é estratégico para o país e constitui a principal base conservadora do trumpismo. Como retaliação às tarifas unilateralmente impostas, a China, por exemplo, resolveu suspender a compra de algumas commodities, como a soja e o sorgo, a partir dos Estados Unidos. O resultado é que nos últimos dois meses as exportações de grãos despencaram para níveis ao redor de quinze porcento do padrão normal, estabelecendo-se o caos na principal região produtora, o Cinturão do Milho (Corn belt), ao ponto de os agricultores questionarem se há sentido em instalarem a safra de 2025 se não têm a quem vender.

    Do blefe ao desastre.

    Trocando em miúdos, o que se viu foi uma série de jogadas perigosas. A primeira, quando o governo americano anunciou as tarifas contra a China, o México e o Canadá. Pressupunha-se que estas nações, apavoradas, derrotadas, viriam como cordeiros para o abate, estabelecendo um padrão submisso de negócios que se tornaria o modelo a ser seguido por todos os demais países que pretendessem ter alguma relação comercial com os Estados Unidos. Um tremendo engano. A primeira lição recebida pelo governo Trump veio da presidente do México, Claudia Sheinbaum. Ela reconheceu, como todo cidadão mexicano, a importância dos vizinhos do Norte como seu principal parceiro comercial, mas alertou que aplicaria tarifas equivalentes e recíprocas, além de ter deixado claro que quem mais teria a perder seriam as indústrias americanas instaladas no México. O Canadá, inicialmente ambíguo, logo viu que a melhor opção era seguir os passos do México ante ao absurdo de uma ameaça de anexação do país como 51º estado americano. O impacto das políticas trumpistas foi tão forte que chegou a mudar o curso de uma eleição parlamentar que estava literalmente ganha pelo partido Conservador, garantindo a permanência do partido Liberal sob a liderança de Mark Carney.

    Quanto à China, não necessitou de aplicar tarifas equivalentes. Com aumento de impostos dos produtos industriais americanos entre dez e vinte e cinco por cento, o impacto foi devastador. O principal alvo, do ponto de vista político, seria o aguardado aos produtos agrícolas. A erosão da confiança nos Estados Unidos como um país supridor de matérias-primas e alimentos forçou os países compradores, diga-se China em primeiro lugar, a negociarem contratos de longos prazos com outros países produtores, a exemplo do Brasil e da Argentina. Acordos esses que retiram as trades e, principalmente, o agronegócio americano do jogo por um bom tempo.

    O segundo blefe se deu quando o governo americano anunciou que a China havia concordado em negociar as tarifas impostas. De imediato, foi esclarecido que a China não estava disposta a negociar tarifas, mas informar aos americanos que qualquer conversa se daria a partir do momento em que o status anterior do comércio mundial fosse restabelecido. Ou melhor, que os Estados Unidos anunciassem o cancelamento de todas as medidas tomadas até então, o que seria a capitulação total do governo.

    Em decorrência, setores como o automobilístico, de tecnologia da informação e o de máquinas e insumos agrícolas viram que não teriam como atender às medidas do governo e pouco a pouco foram vendo que o melhor caminho seria fechar fábricas em território americano, o que implica em erosão da base industrial e eliminação dos empregos. Com a perda da credibilidade externa e interna as portas se fecham e outros arranjos começam a se fortalecer em substituição a atores como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional até então controlados a partir de Washington, como é o caso do BRICS e do ASEAN.

    A improvável aliança.

    Este conjunto de medidas fortalece o agronegócio brasileiro e argentino no cenário internacional. O mais interessante é que tanto os empresários brasileiros quanto os portenhos predominantemente apostavam em Trump como salvador da agenda conservadora e consequentemente como seu principal pilar dos valores da democracia e do livre comércio. Uma contradição absurda uma vez que em o governo americano apoiando seu agronegócio, fortaleceria uma competição mais acirrada para as matérias primas brasileiras. A situação é tão cômica que em 2020 o governo brasileiro de modo surreal optou por confrontar seu principal parceiro, a China, sem que benefício algum ou vantagem pudesse vir de sua aliança prioritária com os Estados Unidos. Como não poderia ser diferente, o governo passou seu mandato tentando costurar as relações danificadas por diatribes e grosserias.

    Ainda mais interessante é quando, do anúncio do segundo blefe, informando que o governo chinês estaria nas cordas, voltando a comprar a soja, o milho, o sorgo produzido nos Estados Unidos, a mídia e vozes do empresariado do agro brasileiro vieram a público cobrar do governo brasileiro medidas para salvaguardar o agronegócio nacional. Uma contradição para quem sempre anunciou a relação privilegiada que tinha com o governo Trump.

    Sensatez e olho nas regras do comércio.

    O cenário é favorável, mas não significa que o jogo esteja ganho em definitivo. Na semana anterior, foi circulada a notícia de que as autoridades alfandegárias chinesas rejeitaram uma carga de 30 mil toneladas de soja proveniente da Argentina. Na realidade, o que houve foi uma tentativa de burla por parte dos vizinhos em tentar entrar com soja americana na China como se fosse sua. Havia me perguntado se esta tentativa de fraude estaria restrita à Argentina, para logo a seguir me deparar com outra matéria informando que há um mês uma situação similar havia sido tomada pelos chineses contra um carregamento nacional que havia misturado 50% de soja brasileira à americana para passar como produto nacional.

    Lições a serem tiradas. A primeira é que, em um mundo em que o controle alfandegário é a cada dia mais sofisticado, o espaço para manobras ilegais é mínimo. Segundo que, apesar da China considerar o Brasil como seu principal parceiro comercial em termos de commodities agrícolas ela não está disposta a se ver envolvida em negócios espúrios de empresários tentam levar vantagem em tudo. O Brasil goza de prestígio e respeito, mas é sensato chamar a atenção para o fato de que este tipo de comportamento não recebe o tratamento leniente costumaz a que estão acostumados no Brasil.

     

    Sobre o autor

    Geraldo Eugênio é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), com mestrado em Genética e Melhoramento de Plantas pela Andhra Pradesh Agricultural University, em parceria com o ICRISAT, na Índia. Doutor pela Texas A&M University, nos Estados Unidos, também foi bolsista Fulbright na área de bioenergia na University of Nebraska-Lincoln.

    Com trajetória internacional e sólida formação acadêmica, atua há mais de quatro décadas em pesquisa, formulação de políticas públicas e estratégias para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro, com foco em inovação, sustentabilidade e competitividade global.

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