Quem é beneficiado com a isenção do IPVA em elétricos?
Projeto de Mauro Rubem (PT-GO) propõe zerar o imposto por dez anos, mas medida tende a favorecer famílias de alta renda
O deputado Mauro Rubem (PT-GO) apresentou um projeto que zera o IPVA por dez exercícios para veículos de baixa emissão em Goiás. A proposta alcança carros 100% elétricos, híbridos inclusive plug-in e modelos a célula a combustível, além de definir regras de elegibilidade e de perda do benefício. O texto prevê ainda a integração entre o Detran e Secretaria da Economia para reconhecimento eletrônico, o que facilita a aplicação prática e reduz brechas de fraude.
Como a pergunta do título antecipa, a base dessa análise é identificar quem é o real beneficiário dessa isenção, e o retrato do mercado nos ajuda a responder. Os eletrificados já passam de 8% das vendas no Brasil e em agosto de 2025 chegaram perto de 10% do mês, com mais de 20 mil unidades emplacadas. Ainda assim o ticket de entrada segue alto. O Kwid E-Tech parte de R$ 99.990 e o BYD Dolphin Mini foi lançado na casa de R$ 115 mil a R$ 118 mil, com referências de Tabela Fipe pouco acima de R$ 100 mil. Do outro lado, a renda domiciliar per capita do país gira em torno de R$ 2.069 por mês. A combinação de preços e renda mostra que, sem recortes, a maior parte do benefício tende a se concentrar em famílias de renda mais alta.
Disso, partimos para o ponto fiscal, que também precisa ser observado. Metade do IPVA pertence ao município de licenciamento. Uma renúncia ampla e sem filtros reduz receita estadual, mas também impacta a municipal. Além disso, toda vez que o Estado concede um incentivo tributário para um grupo específico da sociedade, o grupo não incentivado passa a carregar uma fração maior da carga. Como o público elegível para comprar carros elétricos e híbridos hoje é majoritariamente de alta renda, a renúncia tende a ser financiada, na prática, pelos contribuintes de renda média e baixa, seja por serviços públicos locais pressionados, seja por ajustes em outras bases de tributação. Então, focalizar não é só uma escolha de justiça fiscal, é também uma forma de colher o desejado resultado ambiental da proposta, mas com menos renúncia por unidade.
Há boas referências internacionais sobre como calibrar o incentivo para reduzir regressividade e ampliar impacto. Nos Estados Unidos o crédito federal para veículos limpos combina três travas simples: impõe tetos de renda do comprador; define tetos de preço do veículo por categoria; e permite transferir o crédito no ponto de venda para abater o valor na hora. O benefício chega a 7.500 dólares para modelos novos e a 4.000 dólares para usados elegíveis, com limites de renda e de Preço de Venda Sugerido pelo Fabricante (na sigla deles, MSRP) que evitam subsidiar modelos de luxo. Em nível estadual, Nova York mantém um desconto no ponto de venda de até 2.000 dólares escalonado por autonomia com corte de preço, enquanto a Califórnia encerrou o programa amplo de reembolsos quando migrou para iniciativas mais focalizadas que pagavam valores maiores para famílias de baixa renda. A lógica é clara. Filtro por renda e por preço, e desconto imediato no ato da compra, aumentam o acesso e reduzem subsídio a quem compraria de qualquer jeito.
O texto goiano já abre uma porta importante ao autorizar adesão a convênios do Confaz e a propor instrumentos de ICMS como isenção, redução de base de cálculo, diferimento e crédito outorgado para veículos, baterias, componentes e infraestrutura de recarga. Essa é a chave para atacar o preço na ponta. O ICMS incide na compra e mexe no valor de etiqueta. Estados como São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul já reduziram a carga do ICMS para veículos elétricos e eletrificados com arranjos diferentes, ora por alíquota menor, ora por base reduzida, ora por equiparação às operações internas de combustão. Goiás pode aderir a convênios existentes ou articular proposta própria no Confaz, sempre dentro da Lei Complementar 24 de 1975 e com avaliação periódica. IPVA e ICMS, usados juntos, formam um pacote coerente. Um corrige o custo anual de propriedade. O outro melhora o acesso na compra.
Se me fosse possível oferecer uma recomendação técnica para aprimorar esse projeto, ela seria simples e exequível: manter o mérito ambiental e a espinha dorsal de transparência do projeto; amarrar a isenção de IPVA a um teto de preço do veículo e a filtros de renda do comprador definidos em regulamento com base em dados de renda; priorizar tecnologias que entregam maior redução de emissões no uso real e prever degressividade ao longo do período de vigência para reduzir renúncia por unidade com o passar dos anos; acoplar um componente de ICMS via convênio do Confaz aplicado no ponto de venda, com metas e revisão regular. Com esses ajustes simples a política fica mais justa, mais eficiente e mais próxima da realidade orçamentária.
O deputado está correto ao colocar a eletrificação no centro do debate tributário estadual e ao exigir avaliação, e a proposta ganha força quando acerta o alvo social e econômico. Com recorte por renda e por preço, com ICMS bem desenhado e com metas auditáveis, Goiás vai conseguir acelerar a substituição da frota a combustão por elétrica sem transformar a isenção em privilégio verde. É possível reduzir emissões, ampliar acesso e preservar responsabilidade fiscal ao mesmo tempo.
André Tomazetti é Gestor Público, mestre em Business Intelligence e tem mais de 11 anos de experiência na otimização e modernização do setor público.